quarta-feira, 3 de junho de 2015

Terra Mãe




 TERRA MÃE

 Sinto a paz em mim
 O sol já dorme
 A paz está com ele 
 Eu era imensamente feliz
 Com pés descalços e gretados
 Eram pés abençoados
 Pés do trilho de campos de trigo

 Já nasci nesta lida
 Ensinou-me minha mãe
 Todo o trabalho é digno
 Para bem poder viver
 E para ter o que comer
 Não era preciso ser doutor

 Chorava de tristeza no fim da colheita
 Como se tivesse violado um livro sagrado
 O fruto da terra nos iria alimentar
 Depois de por lá ter passado o arado

 Este é o meu mundo real
 Onde o sol envelhece os rostos
 De minha mãe e muitos outros
 O ar é puro de certezas
 Nada é certo e efémero

 Água tão pura que os males cura
 O trabalho da terra é a minha cultura
 Não fui à escola
 A vida era bem dura

 Eram nove irmãos
 Só quatro restaram
 Vivia-se com humildade
 Nunca faltou um aconchego
 Nem faltou pão e verdade

 Sou poço de muitas saudades
 Depois dos banhos na ribeira
 Enquanto secava meu corpo
 Comia um bocado de pão
 Que trazia na algibeira

 Pão que minha mãe amassou
 Com mãos rudes e ásperas
 Mãos que tão bem acarinhavam
 Com todo o bem querer
 Que trazia no coração

 Todos os filhos cabiam na sua abada
 Pena alguns não terem crescido
 Corriam-lhe lágrimas dos olhos
 Que sua cara lavavam

 Olhava para os filhos vivos
 E sorria para nós
 Sorriso de cevada amarga
 Tinha um doce e puro coração
 Amava tudo o que era seu
 Amava a terra e o fruto
 A terra era a mãe e o fruto era eu

 Sempre que cozia o pão
 Limpava todo o forno
 Guardava todas as cinzas
 Vinha a época das sementeiras
 Espalhava as cinzas na terra
 Com precisão e carinho
 Como se acariciasse os filhos perdidos
 Via na mãe um desejo de esperança
 Daquele ventre mais nenhum filho nasceu.


Até Ontem

Ana Rosa

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