TERRA MÃE
Sinto a paz em mim
O sol já dorme
A paz está com ele
Eu era imensamente feliz
Com pés descalços e gretados
Eram pés abençoados
Pés do trilho de campos de trigo
Já nasci nesta lida
Ensinou-me minha mãe
Todo o trabalho é digno
Para bem poder viver
E para ter o que comer
Não era preciso ser doutor
Chorava de tristeza no fim da colheita
Como se tivesse violado um livro sagrado
O fruto da terra nos iria alimentar
Depois de por lá ter passado o arado
Este é o meu mundo real
Onde o sol envelhece os rostos
De minha mãe e muitos outros
O ar é puro de certezas
Nada é certo e efémero
Água tão pura que os males cura
O trabalho da terra é a minha cultura
Não fui à escola
A vida era bem dura
Eram nove irmãos
Só quatro restaram
Vivia-se com humildade
Nunca faltou um aconchego
Nem faltou pão e verdade
Sou poço de muitas saudades
Depois dos banhos na ribeira
Enquanto secava meu corpo
Comia um bocado de pão
Que trazia na algibeira
Pão que minha mãe amassou
Com mãos rudes e ásperas
Mãos que tão bem acarinhavam
Com todo o bem querer
Que trazia no coração
Todos os filhos cabiam na sua abada
Pena alguns não terem crescido
Corriam-lhe lágrimas dos olhos
Que sua cara lavavam
Olhava para os filhos vivos
E sorria para nós
Sorriso de cevada amarga
Tinha um doce e puro coração
Amava tudo o que era seu
Amava a terra e o fruto
A terra era a mãe e o fruto era eu
Sempre que cozia o pão
Limpava todo o forno
Guardava todas as cinzas
Vinha a época das sementeiras
Espalhava as cinzas na terra
Com precisão e carinho
Como se acariciasse os filhos perdidos
Via na mãe um desejo de esperança
Daquele ventre mais nenhum filho nasceu.
Até Ontem
Ana Rosa
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