domingo, 28 de junho de 2015

Outono da Vida




OUTONO DA VIDA

Espero tua vinda
Suave e tranquila
Como leve aragem 
Fria e já húmida
Como a timidez do sol
Já de pouca dura 
De folhagem caduca
Em fase de decaída
Como leve e fria carícia
Num final de vida
Serás sempre bem-vindo

Sabes-me tão bem
Teu cheiro a terra molhada
O cair duma bela chuvada
Um ainda leve friozinho
Provoca-me ao olhar-te um arrepio 
Já não se ouvem os pardais
Piam agora noutros locais.
Meu olhar recai sobre ti
De forma contemplativa
Revelas-me anualmente tua morte
Em tonalidades diferentes
De estonteante e indefinidos tons
De encantos castanhos
Sobre o jardim calado
A vida vai aos poucos agonizando!
Chegou o Outono.

Rodopio de folhas amareladas 
Tristonhas e pelo vento arrebatadas
Que as faz padecer! 
Caem sobre a terra cansada.
Caem as horas da vida.
O dia é uma correria
As noites são compridas
Os ponteiros do relógio recuam
Mostra seus segundos em teorias.
Dançante folhagem rodopia
Bailando em meu redor
Numa dança de tristeza.

Viuvez, velhice, desconforto
Revelando um sublime querer
De hibernar num profundo sono
De mais um outono

É tempo de queda
O futuro encurta-se
O tempo jaz no passado
Com folhagem que cobre
E aquecerá em breve
As nossas lápides

Até ontem

Ana Rosa






quinta-feira, 25 de junho de 2015

Metamorfose




METAMORFOSE


Era um dia como outro qualquer
Dia de uma metamorfose
Que agonizava há muito
Vivências hibernadas
Deixando para amanhã
O que hoje não se pode fazer

É como ser rejeitado à nascença
Batizado com nome alheio
Nome que não se sente nele
Não se sente enquadrado
No longo bailado da vida
Duma musicalidade sublime

Sente uma urgência desafinada
Uma tremenda angústia
Vontade de se encobrir do mundo
Ânsia de sublimação do seu querer
Do seu querer em ser diferente
Quer amar e ser amado
Como a outra gente

Quer desabrochar
Entregar-se ao mundo
Que o rejeita e o faz sangrar!
Quando sair do estado de crisálida
Quererá mostrar como é
O quão mais belo e perfeito será 

Fará dos seres imperfeitos
Costelas de Adão 
Mudará mentalidades cavernícolas
Dos perfeitos...
Com sexo pré-determinado!
Libertar-se-á do nome
Colorido e escarnecido
Que toda a vida o acorrentou

A metamorfose está concluída
Quer libertar-se
Abram o seu cadeado
Deixem-no ser ele de verdade
Andar entre os pingos da chuva
Sem se molhar
Quer viver como toda a gente
Seu sangue e sua vida
Dos outros, em nada é diferente.
É igual...
A toda a gente

Até ontem

Ana Rosa






terça-feira, 23 de junho de 2015

Esconder





ESCONDER


Escondo-me nos meus versos
Em versos e reversos
Revelo sentimentos incompletos...
Como um jogo do gato e do rato
Mostro somente o meu outro lado
O lado que é o meu contrário
Neste espaço vago
Acrescento uma ou outra vírgula
Onde às vezes corto palavras
Outras vezes as acrescento
Baralho os meus sentimentos
Com vontade e desejos
De me querer ir embora 
E ficar ali ao mesmo tempo

Não me reconheço, confesso
Deixo escapar contratempos
Velejares mordazes 
De seres incapazes 
De juntar letras e fazer poemas
Por vezes a perfeição ausenta-se!

Por tanto errar, escondo-me
Em pontos de interrogação
Escapam-se-me as palavras
Que erradamente foram ditas
Outras, que por esquecimento 
Deveriam de ter sido ditas
E nunca tal aconteceu

Nunca digo que sinto frio
Simplesmente levanto-me 
E procuro um aconchego
Nos meus versos tento esconder
Erros gramaticais angustiantes
Que sempre tento valorizar
As coisas acabam por me escapar
Escondo-me com palavras a menos
Ao não me deixar amar

No poema está o que quero
E também o que não quero
Por palavras encobertas
Porque por estar aqui
Não tenho que me descrever
Com fantasiosas indumentárias
Gosto do translúcido e indefinido
Escondo-me no invisível
Abro frestas para me esconder
Sou cúmplice com as palavras

Quando for julgada 
Por cometer tamanho crime
Não direi uma só palavra
Serei salva 
A culpa será da lerdeza da justiça 
E da sua aparência colorida 
Penas aparentemente cumpridas 
Juízes de crista caída 

Até ontem

Ana Rosa - Junho 2015




quinta-feira, 18 de junho de 2015

Espírito




ESPÍRITO

Vou...
Para outro fuso horário
Viajo num espaço 
Espaço sem adversários
Viagem da verdade
Nas asas duma pomba
Procuro o sono da paz 
Outro lugar!
Onde se semeia esperança 
E brotam verdades
Estados de alma imaculados 
Inigualáveis pérolas brancas
Como olhar puro de criança

Só aí habita a bondade
Serei tábua rasa sem lembranças
Irei vestida de transparências
Não existe aí escuridão das sombras
Só existe luz 
Em forma de raio de esperança
Nada é opaco, tudo é transparente!
Não há dor na lembrança
Não há saudade de ter deixado
ficar algo incompleto 
Lugar de amor repleto
Sempre de mim perto
Meu espírito eleva-se
Planando bem alto 
Nada sinto!
Nem um arrepio de frio
Nem calor 
Sou somente alma
Estão ausentes os sentidos
Não há dores nem feridas
O ar é refeito e limpo
Abrilhanta meu espírito
O querer é repentino
Viajo em espaço volátil
Evapora-se a maldade
Quem quiser ali permanecer
Terá que se despir do passado
E vestir este estado de alma
De dar e receber
É tão fácil!
Sem ser tátil 
Somente sentir o olhar da alma
Sem nada
Sem dor
Só alma

Espera-nos um abraço amigo
Não sentido
Naquele lugar não há matéria
A humildade é pensamento
Pensamento que se transforma
Em efémeros eternos! 

Sinto em mim, sem sentir 
A volúpia da moralidade!
Contemplando esta realidade
A leveza de uma flor
Nas asas do vento,
meu pensamento voa
Sonho sentido sem sentir dor 
Sinto o odor, sem odor, do meu sonho 
Aconchego-me dentro dele
Sonho, sem sonhar, o meu sonho 
Nele, sou e não sou 
Somos todos ao mesmo tempo
Sou essência dum corpo que se perdeu
Sou tudo e nada 
De minha boca não saem palavras
Não há relógio
Nem há horários
O tempo perde-se no tempo
Tudo é tão sereno
Pensamentos ouvem-se em pensamentos
Mesmo sem nada sendo
Mesmo sem espaço e tempo
As horas deixam de ter sentido
Cheguei ao meu destino
Com fuso horário infinito
Nesse lugar sem ansiedade 

Durmo serenamente
Como uma leve pena
Voo como um pensamento
Deixo tudo para trás
Como um sonho
Não parto com lamento
Agora sou leve
Parto de mim em surdina
Meu tempo segue lento
Meu coração nada vai transportar

Para o lugar para onde vou
Nada posso levar
É o lugar de tempo sem tempo 
Espaço é estar e não estar, 
em todos os momentos
Em todos os lugares
Ao mesmo tempo!

Meu espírito voa com o vento
Deixo tudo no mesmo lugar
Não me chamem
Que não respondo
Não me recordem como exemplo
Mas sim como alguém banal
Que vos acompanhou num pedaço
de tempo
Levo comigo só uma rosa
Com seu perfume quente
Que aos poucos se perderá
Meu caminho é a estrada do vento
Sinto agora uma alegria
Neste lugar não existe lamento

Tal como uma rosa,
Desabrocha silenciosamente
Torna-se linda e efémera
Cheia de encanto
Não eterno!
Encanto que se perderá no tempo
Como seu odor intenso
Reencarnará em sucessivas primaveras
Cada vez mais perfeita e bela
O meu tocar e não tocar 
Sem poder tocar... 
Tocar delicadamente... 
De forma meiga e terna
Sua alma...
Sua essência
Seu odor e transparência

Até Ontem

Ana Rosa




Ana Rosa 

sábado, 13 de junho de 2015

Amizade



AMIZADE



Quando verdadeira é como o amor!
Não se explica,
Apenas se sente.
Nasce com uma simpatia
Logo à primeira vista.
Cresce e torna-se empatia
Descobrem-se afinidades
Partilham-se momentos
Vive-se uma história
A cumplicidade agiganta-se.
Para que bem se entendam
Nada é preciso dizer

Amizade verdadeira
É um nobre sentimento
Que um humano pode sentir.
É desinteressada
Não possessiva
Generosa, livre e bonita

Verdadeiros amigos,
Ficam ao lado um do outro
Porque querem e gostam
Não por imposição ou necessidade

Ter um verdadeiro amigo
É saber e ter com quem contar
Para o que der e vier
É ter um irmão de alma.

Até Ontem

Ana Rosa






sexta-feira, 12 de junho de 2015

Mãe - Menção Honrosa



Mãe





 MÃE

 Que saudades de ti
 Fazia traquinices
 Olhavas-me docemente
 Com teu olhar presenteiro
 Repreendias-me severamente
 Ensinaste-me o que sabias
 Como eu fora teu amor primeiro

 Recordo-te sempre
 Em especial nesta data
 Como uma heroína.
 Tua alma está livre...
 Teu corpo jaz noutra morada
 Tua linda imagem
 Será sempre velada

 Sinto a tua companhia
 És o meu anjo da guarda
 Andas comigo noite e dia
 Por vezes sinto-me só
 Mas nunca me senti abandonada
 Lembro-me dos teus cabelos
 Brancos e belos
 Fios de pura prata 
 Autêntica filigrana

 Lembro-me dos teus carinhos 
 Mão firme e sedosa
 Sentia em ti segurança
 Firmeza na tua voz melodiosa
 Segurança de matriarca
 Com profecia bem amarga...

 Herdei o teu carisma
 O teu brasão
 O teu sinal
 A tua marca 
 A tua espada
 Que não conseguiu vencer 
 A batalha final

 Os heróis...
 Não são os que uma vez venceram
 Os heróis...
 São os que diariamente lutam
 Para viver um dia de cada vez
 Com intensidade 
 Eternizando cada segundo
 Em cada hora ou minuto
 Como se fosse a última vez
 Que levantam a sua espada

 Espada de vida
 Prestes a ser vencida
 Os heróis...
 Jamais se esquecem
 Sinto falta de ti... mãe

 Deixo na tua morada
 A luz de uma rosa amarela
 Era para ti e é para mim
 A rosa mais bela...

 Ao escrever este poema
 Não suportei a lembrança
 Chorei...
 Sinto muito a tua ausência...
 Minha querida Mãe

 (Em memória de minha Mãe)


Até Ontem

Ana Rosa


quinta-feira, 11 de junho de 2015

Altivez




ALTIVEZ


Já sem presença de altivez
Vivo à sombra de migalhas
Do que me resta de outra vez...
Mesmo com muitas falhas
Vivo envolta em tralhas
Que a juventude me deixou
Em sombras desiguais 
e paralelas no tempo 
Onde dobra o que é lembrado 
No mesmo horário de sempre 
Com o mesmo sentimento
Que se mantém sempre presente

São lembranças com cabimento
Recordações abençoadas no tempo
Em parte incerta
Sereno, o relógio parou
Deixou de badalar e sem regras
Horas que nunca são iguais
Tudo mudou
Já dou valor à pequenez
Com o pequeno me contento
O pequeno e o pouco
São horas compridas
E satisfação de ontem e anteontem

De mim não tenham pena
Ainda me lembro
da primeira vez de tudo
De mim saíram frutos
Agora já maduros
De mim saíram Iris e Ulisses
E mitologias
Apressadas e lentas nostalgias
Que o relógio da sala lembra
Em cada minuto que demora
E nunca mais chega a hora para tudo 
Fermenta o pão,
Que nunca hei de comer
Posso não ter o que comer
Mas lembro-me dos sabores
Que tão bem me sabiam
O tempo tudo traz e tudo leva
E quando damos conta
O vento tudo leva

Passei anos de janela aberta
Olhando para fora
O futuro foi embora
O passado vive na soleira da porta
Espera a sua vez hiperbolizando
A sentença de perpétuo esquecimento 
À espera que eu me esqueça...
De mim 
Da minha altivez...
De vez!

Até Ontem

Ana Rosa

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Tudo Realça


Miradas




MIRADAS

A noite adormece
Sente o toque de arremesso
Em seu leito ainda estão presentes...

As músicas que se tocaram
Sons mornos dum dia acabado
Nas cordas duma guitarra
Como que pedindo da vida
Sorte e muito sucesso
Sons que exaltam a alma
Alma que fala
Com orgulho de ser
Um verso sem rima
Que rimam nas linhas da vida
Como se rimas fossem
Leitura da sina
Leitura antiga
Aprendida desde menina
Sem saber que significado tinha

Sinas marcadas na palma da mão
Na linha da vida
É como uma estrada
De terra batida
Linha de idas e vindas
A liberdade de um cigano
É um dever sem contradição
Nunca nega sua etnia
Ao negá-la...
Trocaria seu espirito livre
Por um espirito numa prisão

Tudo está vivo na memória
Cantado como vitórias
Em forma de amargas histórias
Nas cordas duma guitarra
Como lição de vida aprendida
Com muitas cicatrizes
Nas feiras dita e ouvida
Como o cantar duma cigarra

Trabalha, canta e dança
Penteia sua bela trança
Seu olhar repleto de esperança
Dança porque estão olhando
É rosa vermelha que encanta
As labaredas da fogueira
Atitude e postura duma cigana bela
Que dança e encanta
É acompanhada por Sta. Sara
É a sua padroeira
Que a abençoa com sua estrela
Todos seus movimentos de mão
Espantam de sua vida os "ais".
Tudo nela é harmonia
Encanto e magia
E tantas coisas mais

Acalma sua alma
De alguma agrura da vida
Espalha alegria
E tentações mudas
Logo esquecidas
Porque desde criança
Está comprometida

Com suas ásperas mãos
O bater de palmas desgarrada
Palmas desconcertadas
Bater calmo e outro apressado
Como que açoitando faltas
Ao som da música de guitarra
Faz esquecer ocasiões amargas
Como se fosse mágica
Que fazem cessar
Por meros momentos a dor
O calor e o pó da percorrida
Vida de estrada

Nada da vida reclama
Bela cigana
Tudo deixa acontecer
Desde o cair do dia
Até a madrugada nascer.
Nada na vida falta
Tanto lhe faz
Andar calçada ou descalça
Com muita tristeza afasta
A eterna saudade
Dum velho e imaculado bandoneon
Recorda com saudade
Quem tão bem o tocava

Recorda o nunca esquecido avô
O sempre relembrado patriarca
Inesquecível pelo povo cigano
Sempre relembrado com amor
Vestido de negro
Com chapéu de aba larga
Relembrando sempre ao povo
Como se deve de comportar
Um bom cigano
Reza com todo o fervor
Por sua alma a Sta. Sara
Alma que se revelou
E se foi com o vento

Num ou outro caminho
Ao longo da estrada
Com sentimento que fala
Sem amarra e com garra
Cigano não tem casa
Vive no limiar do tudo ou nada
Deita-se onde calha
Desde que em seu redor, haja
Haja amor e alegria
Honra e uma fogueira
Ao som duma guitarra

Sinto o tremor das palmas
Danças com meias voltas dadas
Ficando outras meias em falta
Cantigas cantadas
Com o calor da alma
Como uma oração
De graças a Sta Sara
Por existir ainda tanto amor
No meio de tanta desgraça.

Tocado ao som duma guitarra
De palmas acompanhada
Desgraça que se acalma
Nas cordas duma guitarra
Que afasta toda a dor
Com uma canção de amor.

Tudo em si realça
Tudo o que tenha alma
Desde peça de ouro ou prata
Em seu tom de pele dourada
Tudo o que tem alma reluz
Nem que seja um colar de lata

Até Ontem

Ana Rosa

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Fracasso



FRACASSO

Em cada dia que passa
Revelo o meu fracasso
Por carência dum amigo abraço 
Desisto de cansados laços
Que se transformam em nós cegos 

Minhas mãos descem
Neste corpo desassossegado
Que teme o desespero
De todo o sossego
De não ser inteiro e completo
Aos poucos desaparece
No refúgio do horizonte

Não conta façanhas
Nem vive de manhas
Consome-se das suas entranhas 
Esmorece e desaparece
Na sombra da demora
Dá conta do que acontece
Em sentimentos incertos

Vê ao longe o sentido contrário
Faz de conta que esquece
Não esquece seu estar de inverno
Onde a alma hiberna
Chama que se consome em si
Destroço emergente que se despede
De tudo o que perece 
Aos poucos seu conforto desaparece
Entre os dedos das mãos

Tudo se vai, tudo se escapa
E o abraço que não vem!
Já não há vícios nem vicissitudes
De olhar seco...
Limitado pela desconfiança
Reclama com pouco vigor
Reclama água de pouca dura
Vida feita de farturas breves
De pouca água e água nenhuma
Já não se reclama
Atola-se em lama
Consome cultura
Na sua vida só cabe
O que chamam de penúria
Apressa-se para não ser inculta
Cada hora e cada minuto 
São contados em segundos

A vida segue
Tão longe de si
E tão perto
Como não queria fracassar!...
Ser mais deste corpo 
Encerrado nele mesmo 
Que nem a dor o reclama
O que tem este corpo que só encanta?
O que encanta num corpo desencantado?
Que há muito alegra vistas!
Para si, é só um silêncio!
No final de um concerto 
Com preliminares de fim desconsertado
Que não chega ao fim
Que se apressa, porque se faz tarde
Ó, vida !...
Porque existes?
Se és tão examinada?

Caminho no imprevisível
Aprendo com os meus fracassos
A vida não tem abraços
Desfez-me em meros bocados
Nada me prende a ela

Até ontem

Ana Rosa