sexta-feira, 25 de novembro de 2016

JARDIM






JARDIM

Desde o dia em que nasci
Houve e haverá flores perto de mim 
Eterno é e será o odor do jasmim! 
Sedoso toque das rosas,
Ao tocá-las, parecem feitas de cetim
Absorvendo calor que delas advém 
É como sentir a presença de alguém,
Um cheiro doce a alfazema
Encantos prediletos de minha mãe
Bruma em poema, que em mim se detém
Sempre lembrada e nunca esquecida,
Como quem em seu nome
Nome de flor tem!
Cor e sentido dão à minha vida 
Vivo para elas e delas sou refém 
Em frios dias só de as olhar,
Sinto-me aquecida! 
Jamais, viver sem elas poderei 
Quem não admira uma flor 
Jamais na vida poderá amar alguém
E desse alguém, amado ser digno!
Verdadeira extensão de mim 
São minhas heroínas de passagem 
Perfeição completa de cor 
Flor pendente em semente, 
Dentro d'uma pequena vagem 
Dará flor depois de plantada 
Viva tela, futura florida em imagem 
Horizontes da vida se me alargam 
Ver o mundo às cores 
E várias tonalidades 
Fazem germinar em mim, 
Mágicos gargalhar de cor 
Suavizando em meu rosto agreste 
Duros traços feridos de dor 
Como suave pingo de doce orvalho 
Refrescam meus dias de trabalho.
Por mim, foram plantadas, 
De estaca e outras semeadas! 
Algumas vão nascendo por aqui e aí... 
Por onde calha! 
Todas as flores falam a mesma linguagem. 
Em silabas de odor e cor, sem palavras
---É quanto basta! 
Ninguém as plantou 
Foram trazidas p'lo vento 
Ou pássaro voador de passagem 
Ao procurar um poema para declamar
A uma apaixonada flor 
Deixou romper sua abada 
Sílabas de sementes deixou cair 
E nasceram poemas, com chuva de vagens
Espalhando belos e coloridos 
sonetos p'la paisagem.
Livres dos dias e datas 
Elas próprias decidiram ficar 
Aconchegando-se de um pedaço de terra vaga 
Numa teimosia de imaturidade nata 
Num sonho de presença regalada 
Mantendo-se em suspenso 
No seu próprio silêncio 
No desespero de germinar 
Florindo no tempo e hora certa 
Teimando a terra rasgar 
Como deuses fazedores de maravilhas ao passar
Aperfeiçoando a paisagem 
Florindo-a de cores diversas 
Repletas de luz e alma 
Num surreal dia de inverno 
Indiferente em seu rumo breve 
De essência severa 
Num pousio despido e seleto 
Dando mais vida ao meu jardim 
Repleto de sons coloridos 
De ilusória primavera, 
Em atrapalhado inverno
Mesmo que as queira mudar de lugar 
Elas não o querem, nem deixam.
De profundas raízes
Parece contrato ter feito
De eterna permanência com a terra 
E de cor descarada enfrentam-me 
De peito erguido, como que dizendo; 
---Daqui não saio!...
---Daqui, não haverá ninguém que me tire! 

Até Ontem 

Ana Rosa Cruz 

Arte: Kemak Kamil






domingo, 20 de novembro de 2016

Saber Ser








SABER SER

Era para mim tão grande!
Embora de estatura pequena...
Sua voz, tinha melodia,
Como quem declama um poema...
Envolto em redoma de alegria, 
Com notas de música,
Num tear tecidas, 
Belas fiadas com sílabas de seda...
Doce vós harmoniosa
Textura clara e sonoridade serena...
Mulher do povo,
O trabalho era sua riqueza
Sempre me ensinou que a vida,
Não era um conto de fadas,
Com príncipes e princesas...
O saber não ocupava espaço
A ignorância, essa sim; era pobreza!
Era jovem e tão linda
Sempre que lho dizia, 
Um abraço eu recebia
E sorrindo dizia, que era sua riqueza
Era o espírito perfumado,
A falar e agir em cada linha.
Jovem, mas de ideais maduros e decidida
Sua presença física, embora pequena
Ocupava o principal espaço
No seio da família
Gostando de se sentir obedecida!
Mulher e mãe que me demonstrou
Que para mandar, tínhamos de descer
Ao calcanhar de quem queríamos
Que tal recomenda fosse dirigida!
Pela manhã, ao acordar-me
Apressava-me a levantar
Para a escola ir de seguida.
Mostrava-me que aprender
Era o bem maior da vida
Que haveria de me ajudar a crescer
E a ser uma grande mulher!
Aprender era um privilégio,
Não só uma obrigação, ou um obedecer
Tinhas luz no olhar, ao nascer da matina,
Gotículas de brisa marinha
Escorrendo pelo rosto
Repleto de ternura infinda.
Era presença, em minha vida florida
Milagre de tudo o que possuía
Ordens dadas com amor maternal,
Tudo o que escrevia e dizia, 
Só mais tarde soube o significado real
Sem agrestes pontos de interrogação,
Mulher de poucas vírgulas
Que bem depressa, entender se fazia,
Da primeira à última linha.
Em suas folhas brancas,
De palavras de esperança escritas,
Com linda caligrafia,
Que mais parecia o esboço,
Para uma linda pintura.
Havia sempre uma afirmação
Com os acentos colocados 
No sítio devido de estar.
Em cada escrito ou oração,
Um complemento direto
Sem um único borrão
Sem um qualquer ponto final.
Tal como sua forma se ser,
Um belo poema inacabado, 
Num livro a todos aberto!
            
Até Ontem

Ana Rosa Cruz

Arte: Paul Hermann Wagner






terça-feira, 8 de novembro de 2016

A Noite






A NOITE

(...) Coral negro, de macieza iluminada 
Suave aroma doce, no cheiro do sonho
Vertiginosa entrega cismada...
Verdadeiro puro-sangue na flor da idade
Poema rezado, entre cortinas da boca do poeta
Trazendo em seu ventre quimeras de lava
Cavalgando na garupa do vento
Precipitando-se no incerto
Como trovão atravessando a tempestade
Buraco negro, húmida sensualidade...
Flui nela, leveza encantada e insinuada
Som da folhagem, que o vento teima em tocar
Pássaro passageiro, tenta teimosamente ficar
No interior macio do espaço, saciando a sede,
daquele momento, prolongando seu sereno estar...
querendo algo desencantar...
Histórias que teimam em se esconder 
em tal lugar por desvendar...
Ardor da lua enamorada, acariciada p'las sombras
reflete sua etérea e volátil imagem no soluçar do luar
Que de vergonha não tem nada.
Sem que se invente!
Sem que se tente!
Instinto feroz de negrura selvagem e viciada 
nas brumas do seu corpo, de cor púrpura opaca...
Vai-se servindo de frivolidades, como sombra vadia...
Solta no espaço, repleta de trofeus no corpo tatuados...
Sensação de agreste vaga, na garganta da terra 
molhada e sentida...
Arranhada de negra cor na saliva
Ergue-se por si dentro, numa febre incerta
sem tempo e lugar...
Tal âncora levantada!
Com coalhada lágrima, finalizando um lamento,
nas profundezas do mar, depois de beijada...
no amanhecer derramada...
Mansidão negra na pele do astro, estagnada
Novelo do tempo nunca com perícia dobado 
Num campo de sonhadoras orquídeas
ainda por acordar, presa a humedecido laço...
nos lábios da noite, que já morre de cansaço. (...)

Até Ontem

Ana Rosa Cruz

Arte : Ettore Aldo Del Vigo


Prelúdio de Outono





PRELUDIO DE OUTONO

(...)Num indisposto acordar
De um profundo e longo sono
O Outono ergue suas pálpebras
Com olhar pesaroso
Vislumbra agora a paisagem, 
de que é senhor e dono...
O chilrear da passarada,
Deixando vago seu pouso 
com indiferente desapego...
Partindo em frenética debandada,
Num bater de asas em desassossego
Num outro lugar, noutras paragens
Abrem asas e procuram sem medo
Um novo lar, com mais aconchego...
..."numa expressão, nem tarde, nem cedo"...
Inquilinos de asas, deixam vagas as árvores
Senhorias de zelo, quedam-se tristonhas
Sentidas com tal desprezo,
Pois, lhes tinha muito apego!...
Morna aragem, breve será gelo
Queimará a terra como fogo...
O astro menor, entediado
Torna-se dono, senhor e proprietário
Da ainda morna paisagem...
Como ditador, não tardará a transformá-la
Em desoladora frente de batalha
Sem guerreiros vitoriosos, sem vivas,
glórias ou medalhas...
Mas, por um silêncio devastador
de queda, inigualável e assinalado
como importante data, 
em todo e qualquer calendário...
Patrono repleto de crueldade
Pleno de rigidez normativa
..."Quem da terra nasce, nela se finda"...
Naquela, já nebulada localidade
O vento, chuva e frio, são sua intenção
A razão de ser da sua imagem....
Apossa-se do seu trono,
dele faz por algum tempo sua casa!
Folhas olham as árvores
De coloração triste e envergonhada
Despidas de outrora luxuriante folhagem
Jazem no chão, sob a terra molhada
Desmaiada cor, amarelecida
Com um olhar de indefinida desolação...
Brevemente serão lixo,
Como servas, que á terra entregam
Sua beleza em sacrifício...
Velha podre existência etérea.
Agora despidas de folhagem, 
Nuas de sua fortuna e pretensão
Erguem ao céu, desnudos troncos roliços
Em atitude de prostração
Murmúrios gesticulando
Pelo vento chicoteadas,
como um pedido de perdão!...
Presente retrato de humilhação
Perante um passado verde
Agora amarelecidas e velhas, 
Ao sabor do vento, arrastando-se no chão(...)

Até Ontem

Ana Rosa Cruz

Arte: Liu Yuanshou






Estrelas