domingo, 31 de janeiro de 2016

Pântano





PÂNTANO

Pobre e húmida paisagem
Entranhada em mim 
Como penitência
De humilhação e ansiedade
Perturbava olhar o meu estar
Nem o nevoeiro ali se fixava!
Era como eu, também não queria!
Ao menos querer, mais afundava...
Tentava encontrar uma falha
Naquele triste sistema
Por onde me pudesse evadir!
Quebrar aquela hora lamacenta

Estava tudo de passagem...
Menos eu!
Fazia parte daquele desconforto
Tinha ali o meu lugar
Naquele ponto de fuga
Entranhado em mim
Que não ia a lugar nenhum
Tentava habituar o meu querer
Aquela visão turva
Quanto mais nitidez procurava
Mais inóspita, alegórica e escura
Ela me parecia ser
Vontade pesada, que se me impunha!
Visão dantesca, que emerge
Das profundezas dum pântano
Após carnificina numa batalha
De microrganismos que lutam
Para atrasar a decomposição
Absorvendo, até ao último momento
Os despojos das emoções

Enterrava-me, no parecer de nada
De marés sempre rasas
Sempre a sonhar com ondas 
Revoltas e altas... 
Minhas raízes apodreciam,
Em terras de ninguém com nada
Com pressa de partir
Ficou-se ausente de primaveras
Sem que brotasse em flor
E seguisse o caminho
Para fecundados frutos

Porque era tudo tão escuro,
No meio dum sumido sol?
Porque o meu olhar macilento
Se fechava em torno de mim?
E me isola!
Como última forma de vida...

Não sei, talvez se ali não estivesse
Não sonharia com o absurdo, 
Onde nasce e se põe o sol 
E em que todos os dias são diferentes, 
Sem deixarem de ser iguais!

Porque não nasce uma flor no meu sonho?
Porque não morre uma andorinha,
Para que diga que houve primavera?
De onde me vem este desejo,
De mudar de lugar sem questionar?
Se para onde desejo ir,
Existem estrelas cadentes,
Para poder desejar e regressar!
Para regressar, 
Onde não quero estar!

Até ontem

Ana Rosa




Coragem








Termo





TERMO

Chegou o fim
Mãos trémulas
D'uma vida deformada
De vontades forçadas
Lágrimas já fatigadas
Esquecidas, fora de tempo
Depois de derramadas
Nas profundezas do entendimento
Abandonadas na outra margem
Com bem fundeada âncora

Olhar de tréguas 
Encalhado com descontentamento 
Restos sistémicos 
De si e em si têm assento... 
Corroía-se ao balançar 
Lambia as feridas do tempo 
Que sarar não queriam... 
Roendo caroços do tempo 
Ouvia-se o ranger de dentes
Entrando pela noite dentro 
Como navio de casco rombo
Já sem qualquer conserto 
Que a dor abandonou ao relento

Já sem nada sentir,
Estendia-se no vazio
De clemências não aparentes
Como quem pede a remissão
Nada mais poderia sentir
Somente a dor
D'um desnudado punhal
Na sua derradeira missão

A areia esvaía-se pelos dedos
Nas suas mãos frias
Fechava os olhos
Cerrava os dentes
No anoitecer dos medos
Abandonava-se...
Nas profundezas de si mesmo
Já nada temia!

Sentia-se o isco da tempestade
Que sugava o seu espírito
Já todo ele anestesiado
Só a alma ainda resistia
E o mantinha à tona da vida
Com uma réstia de vontade.

Assim termina o trajeto
A dois escassos nós
Bem ali à sua frente
Algo mais teria lugar
E bem se poderia ter feito...
Antes do termo

Até ontem

Ana Rosa




Serenata





SERENATA

Noite de luar...
Um toque chorado
Doce serenata tocada
Nas cordas d'uma guitarra
Cantada ao luar, baixinho
Sonetos feitos com carinho
Para uma dama delicada

Olho aquela janela
E todos os dias espero
Um sinal de carinho
Um gesto ou sorriso
Seja dia ou noite cerrada
Quer faça calor ou frio
Me faça com seu amor
O ser mais afortunado

Quando para ela olho
E a vejo sempre fechada
Anseio sempre e muito
Que de par em par se abra
Para que tão bela dama
A minha linda e doce amada
Ouças as palavras cantadas
Desta declaração de amor
Ao luar declamada
Ao som duma guitarra

Eis que se abre de par em par
Entre muitas rosas da varanda
Surge a mais bela das rosas
Que aquele varandim enfeita...
E na noite estrelada me espreita
Para meus versos ouvir cantar!
Raios envergonhados do luar
Iluminam minha presença
Aos olhos da minha amada

Meu poema é de amor
Para uma dama em flor
Com pétalas perfumadas!
Seu odor embriaga-me
Ao olhá-la, minha voz,
Fica trémula de emoção
Toco para ela somente
Cantando meus poemas
Com profunda devoção

Quero a ela declarar-me
Pessoalmente sem guitarra
E não por aquela janela.
Quero seus olhos olhar
Para com amor lhe dizer
O que me vai na alma!

Até Ontem

Ana Rosa




domingo, 10 de janeiro de 2016

Lugar Onde





LUGAR ONDE

Perdida no tempo
Em lugar onde...
Raridade 
Local purificado
Pela paz
Podemos ouvir-nos
Ouvir nossa alma
Num murmúrio calado
A natureza reclama 
Aos poucos, espaço
Local, pelo vento assolado

Por lá... 
O relógio parou
A natureza não cumpre horários
As horas são lentas
Mas não vazias
Há uma tristeza
Uma pena
Que não é possível alterar
É tão rara esta aldeia!
É única!

Ir até lá ...
É viajar no tempo
As montanhas escondem
Este recôndito lugar
Como se fosse um mistério
Um segredo bem guardado
Ainda por desvendar
Onde já não se fala
Ali tudo tem valor
Até a mais vulgar coisa
Que um dia já foi valiosa
É tão belo...
Lugar silencioso
De culto
Místico
De paz

Vazio de pessoas
De tarefas
De fúrias de viver
Que agora só ao vento cabe "ser"
Todos foram partindo
Deixando para traz memórias
De muitas histórias
Abandonada, só restou silêncio 
Silêncio quebrado
Por cada pedra que cai
Com a ajuda do vento

Espaço escondido
Que me aconchega o espírito
Naquele silêncio mágico
Procuro a paz
Naquele lugar único
Mais puro e belo do mundo
Este é o lugar do silêncio
O vento, acaricia nosso lamento
Conserva em nós o desejo
De continuar a lutar
E nos impede de desistir 
Somente esta magia, lá se pode encontrar!

Até Ontem

Ana Rosa



Flor






Absinto









O Olhar





O OLHAR

Recordo com saudade
A cor da tua pele
Como era tão linda...
Mais linda deve ser agora
Cresceste, emergiste...
Deves ser uma bela mulher
Lembro-me do teu olhar
Ao recordar-te, saudades sinto
Desse amor que acabou
Não com o verbo acabar
Mas outro verbo qualquer
Que não me lembro sequer

Eras linda de verdade
Olhavas-me de forma tímida
Com teus lindos olhos
De cor natural, azul cinza
Vivia os teus sentidos
Mesmo os mais adormecidos
Tudo em ti vinha ao de cimo
Num corpo ainda de menina

Eras uma deusa para mim
Verdadeira deusa do amor
De ti só quero ouvir
Frases com a palavra amar
Com plurais sílabas dizendo
Que de mim muito precisas.
Com o teu inquieto pestanejar
És muito indefinida
Pois tanto e tudo me dás
Como de seguida logo me tiras

Como sou feliz contigo
Com tudo o que me dás
Em troca tudo te dou
Trago o brilho do teu olhar
Que comigo levei
Para de ti me recordar
Quero que tenhas tempo
Todo o tempo do mundo
Para em mim pensares
E decidires se me queres 
Para sempre ao teu lado

Vim de longe para te dizer
Que quero todos os dias ver
O brilho do teu olhar
Azul, cinza

Até ontem

Ana Rosa





Sopro de Vida