NOITE
A felicidade já aqui não habita
Alegria era sentimento que não tinha
Sentia que não me pertencia.
Tentava alcançá-la
Com todas as forças que tinha.
Para meu descontentamento
Ela de minhas mãos fugia
Para mim, a alegria não passava
De ressaca paliativa
Das bezanas da noite
Que se prolongavam pelo vómito do dia!
Era algo que todos podiam ter
Eu não podia...
Não tinha tempo a perder
Não perdia tempo com os dias
Que nada tinham para me dizer!
Colecionador de realidades pendentes...
Colecionava contratempos
Que apressadamente escrevia
Entornava sentimentos nas palavras
Entre páginas amarrotadas
De sombrias azias
Em meu bloco de notas
Com minha velha e obsoleta
Caneta de tinta permanente!
Extensões da minha mente
Que nada tinham de púdico
Somente minha alma sente
Pensava nas coincidências....
---Garrafas de tinta permanente
---Tem graça, tinta engarrafada!
---Tudo saía perfeito
Mesmo que escrevesse de gatas...
Expressões de habitáculos
Onde na noite o corpo descansava a alma
Labirintos e limbos
Uns latentes, outros bem ativos
Minha vida sempre foi em banho-maria
Ente uma água das pedras
Que curava a azia
E uma garrafa que já foi cheia
E está agora vazia
A noite traz consigo nevoeiros cinzentos
Sargetas entupidas como sempre
Pelas chuvadas em Janeiro
Calçadas escorregadias
Refletiam as dores, barulhos e odores
Daquele bairro inteiro
Com o nascer do dia
A humidade desaparecia
As outrora estrelas luzidias
Tornam-se em estrelas cadentes
Que caíam violentamente
Sem que se fizesse pontaria
Fui-me dividindo em olhares contemplativos
Enquanto fumava o meu cachimbo
Observava o meu próprio limbo
Ao olhar a vida que os outros tinham
As imagens no espelho confundiam-se
Entre mim e os outros no mesmo raquitismo
Bem bebido, no dia a dia, pela noite dentro
Atrevia-me em inconveniências
Nos silêncios das minhas canetas...
Perdido entre noites curtas ou compridas
Observava dicotomias pendentes
Vislumbrando minhas metades no tempo
Entre baldes de água fria
Intercalados com água quente
Em paradoxos que conter não conseguia
Fazendo do ilógico, minha profecia...
Até Ontem
Ana Rosa - Nov. 2015