IRA
Olho a vastidão do horizonte
Lembro com tristeza
O que é hoje, jamais foi ontem!
Piso esta terra do hoje
Com um amargo gosto
Apreendido pela minha língua
Como se bífida ela fosse
Sinto amargura na boca plantada
Nos olhos uma lágrima caída
O coração dói e sufoca
A vastidão do horizonte provoca-me
A terra que era vida, transformou-se
É agora simples areia estéril e oca
Ali, tudo germinava
Todos se bastavam e tudo tinham
Se algo faltava, o vizinho lá estava
A palavra não nunca existia!
Alegre dia de São Martinho
O pão, que tão bem nos sabia
Bebia-se o vinho ou jeropiga
Em copos cheios de alegria
Néctar que nos transportava
Para um mundo de fantasia
Inspirando a novas melodias
Com castanhas assadas
Num braseiro vivo
Bem quentinhas.
No meio de tanta alegria
Todos se esqueciam
Das dolorosas feridas
Provocadas pelos ouriços
Que as castanhas envolviam
Tudo lembro com saudade
Da forma como do tão pouco
Tudo se partilhava
Com bom grado e alegria
Há somente os vinhedos da "ira"
Tudo agora é diferente
Esta terra não é a minha
Olho-a hoje abandonada
Enferma e ressequida
É agora a terra do inferno
Terra demoníaca
É de raiva o néctar da videira
Revolta incontida
Agora nada lá cresce
Nem uma erva daninha
É agora uma terra sem alma
Deixou também de se parecer
Com aquela terra linda
Como terra prometida
Nenhum corpo lá encarna
Antes, tanta vida ela tinha
É agora lugar de areia movediça
Faz de mortalha a quem a pisa
Nem uma semente germina
O que se semeia apodrece
O horizonte encurtou e padece
O ontem foi-se embora
Acomodou-se no hoje
A realidade é agora este sonho...
Medonho...
Como se tudo sonho fosse!
Até ontem
Ana Rosa
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