terça-feira, 3 de novembro de 2015

Mendicidade






MENDICIDADE

Rua acima, rua abaixo
Sapato alto ou baixo
Passo leve ou apressado
Passo de arrasto lento
De quem já palmilha
Aquelas calçadas
Há muito, muito tempo

Todos passam por eles
Neles ninguém repara
Olhares neles se quedam
Com indiferença é desviado
Mudam seu trajeto
Para o outro lado da estrada
Evitam passar a seu lado
Como se fossem dejetos
Pedinte é sinónimo de sarna!

Deles ninguém sabe nada
Estendem a mão à caridade
São o reflexo dum País
Numa e outra cidade
Hoje e todos os dias
Vestem vivas cores
As da sua nacionalidade
Amarelo, verde e encarnado

São tantos entre muitos
Comem ar e "guita assada"
Mal temperada
Empestam o ar da cidade
Mostrando aos transeuntes
Que representam a liberdade
Cabelo emaranhado
Barba crescida e bem grande
Olhar esbugalhado

Não têm sábados
Domingos ou feriados
Seu dever é diário e cumprido
Faça sol, chuva, vento ou frio
Fazem de qualquer buraco
O seu lar ou abrigo
Gritam alto e bom som
Para os que não querem ouvir
No seu estado de mendicidade
Que também são gente
De pouca carne e muito osso

Não têm natal nem ano novo
Têm tristes sorrisos
Que são dormentes choros
Ninguém os quer ver
Dizem que metem nojo
Só não vê quem não quer
Não são transparentes
Dormem no embalo do relento
Embalados pela chuva e vento
Seu sono é acompanhado
De sopa nem sempre quente
Sem saber o que tem dentro
E de um gole de aguardente

Bem no centro da cidade
São o relicário da pobreza
Marginalidade acrescentada
A muitos mais pobres
De pobreza envergonhada
Verdadeiras estátuas vivas
Duma moderna cidade
Trazem sempre consigo
O estigma da mendicidade

Já de idade avançada
Igual é sempre sua rotina
As mesmas escadas frias 
O sapatear do calçado
Descalças de imaginação
O mesmo fedor sepultado
Olhares de nojo de quem passa
As mesmas mudanças
Para o lado contrário
Que não mudam nada!

É um bom cidadão
Tem cartão de eleitor
Que se mantém virgem 
Imaculado junto ao coração
Por sua pobreza merecer
Da sua nação um louvor!

Até ontem

Ana Rosa




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