Azenha
(...) De granito denso do chão dos ventos.
Pedra pura, opaca, da humidade fez do musgo,
seu único adorno e luxúria, dando honra à sua lisura
Dela, aos poucos, foi fazendo casa sua!
É escura e sombria ... nada pode ser mais puro
Tem o toque áspero de afiadas arestas
ou trilhos para marcar, quando mais não puder
...sua própria sepultura!...
Lidou até ser velhinha, com orgulho e despeito,
rodando nos dias do ano inteiro,
tendo o rio como leito e de palha seu travesseiro!
Moendo grãos, transformando-os em farinha
sem que trabalho final visse feito!
Era esta a razão de ser de sua vida
Mós de saudades, rodadas em seculares movimentos
Mós de tormentos...mós de ontem e agora
Mós de pensamentos, como o rio,
sempre presentes a todas as horas...
Chora hoje suas ruinas ... de dentro ... e de fora!...
Grânulos a rebrilhar na massa de corroída mica,
quartzo, feldspato, brilha quando p'lo sol tocada!
Tem olhos e já não vê, sempre soube,
que seu peso esmagava outrora a fome!...
Não tem boca, não come, mas fala ...
... as pedras também falam
...em surdina, através das marcas do tempo
...em profundo silêncio
é pedra redonda apenas.
Nela se concentra a terceira dimensão.
Não necessita de se verbalizar, fala de cor sua razão.
Se separada for de sua azáfama suprema, ou função
colocada numa e qualquer berma, pisada como chão
como se sua longa história fosse pequena,
sem significado contada em vão
Separaríamos injustamente o corpo... do poema
Há como que um verso cinzelado e duro
em cada pedra colocada ao abandono no chão.
A muitos providenciou o pão
Aos poucos, ao olhar tanta indiferença
no preservar tão preciosa recordação,
endurece e tornar-se-á também em pedra de mó,
a válvula mitral de meu coração! (...)
Ana Rosa Cruz