quarta-feira, 27 de maio de 2015

Silêncio



SILÊNCIO

Para...
Escuta-te...
Olha em teu redor
Tenta sentir o que vês
Torna-te invisível
Sente-te nos outros 
Sente o que os outros sentem

O silêncio capta as essências
Verás o contrário na realidade
De todos os conceitos em ti
Conceitos que estão escondidos
Abafados no sentido contrário 

Aguça a perceção
Encontrarás o contrário 
Em tudo o que vês e ouves
Vezes e vezes sem conta
Vais-te surpreender! 
Nem imaginas quanto

A vivência é uma tela.          
Qual a cor da miséria humana?
Talvez o negro? 
Não... não é! 
Vem dum imaculado branco
Disfarçado
Só o silêncio o pode desmascarar

A miséria é a beleza disfarçada
Com cores vivas e atrativas
Como uma maquilhagem
Ou assessor de imagem  
Que altera a realidade
Como que uma substância
Que nos leva ao palco da vida
Para nos revelarmos
Não como somos
Mas como desejaríamos ser.

Queremos ser mais do que podemos
É o viver no engano
Enganar e deixarmo-nos enganar
Em silêncio ouvimos
O que muitos falam
E nada revelam
Quem muito fala pouco aprende
Daí a miserável ignorância
Revelada em atos e dádivas

Vivemos noutro mundo
Que é nosso... e não é
Há uma névoa
Que nos ilude e engana
É uma meia-cor

Digam-me se puderem...
Que máscara uso hoje?
Para ver se decifram
Quem sou hoje... 
Pouco barulho!
Ouçam-me!...

Até Ontem

Ana Rosa




Meu Amor




 MEU AMOR

 Meu amor
 É olhado e falado
 É chama do acaso
 Ocupa um espaço em mim
 Cada dia mais um bocado

 Ama e é amado
 Torna-se eterno
 Torna-se um pecado
 Que não pode ser evitado
 É um amor ousado
 É um amor erótico
 ...açoitado...
 É amor excitado
 Muito solicitado
 É carinho partilhado

 E se a confiança existir
 Quando amamos
 Tudo nos faz rir
 Que bom que é...
 Esta paixão inevitável
 Como bela e seca aragem

 Amar é inevitável
 Tudo toca em nós
 É o teu afago
 É um mar agitado
 Um amor louco acorrentado
 Que nos enfeitiça
 É areia movediça
 Onde nossos corpos se enterram
 Numa eterna carícia

 Todo o amor é eterno...
 Nem que seja por um minuto
 Vale a pena ter-te...
 És o meu usufruto
 És o meu sortilégio
 A essência...
 De um amor astuto

Até Ontem

Ana Rosa



Perspetiva Aberta



PERSPETIVA ABERTA

Guardem tudo para o fim
Para quando nenhuma alma restar 
Guardem tudo
Para quando nada houver
Tudo será deserto
Nada mais se poderá erguer

Que prudência não falte 
Não se apressem guerras 
Nem destruições em massa
O massacre a morte encerra 
Não se apressem... 
Que o tempo tenha calma 
A mente do poeta ainda reflete 
O voar da gaivota com uma só asa 
Se o principio chegar antes do fim...
Aí sim... 
Nunca saberemos o que restará 
No fim! 

Em mil pedaços se partiu 
A pedra filosofal 
Homem insano, tudo perdeu!
Noção de bem e de mal 
Dando ao homem, uma certeza mítica
Era possível obter riqueza 
Juventude eterna e infinita 
Será o princípio do fim!

Ainda há tempo
Para não guardar
Tudo para o final
Quando já nada houver 
Tudo será, um desértico areal

Com terra de seco ventre
Nenhuma semente germinará
Só restará a amargura e sol quente
Nada será semeado por gente
Teremos fome de tudo
Seremos em tudo sedentos 
A fome, única fartura será

Jaz o corpo da vida
Nas profundezas da terra
Cova mortal
Fechou-se antes de ser aberta
Não guardem tudo para o final

De sede morrerão à beira do poço
De água imunda...de "merda"
Deixem tudo para o fim
Com uma porta entreaberta
Para que o sonho se evada

Se houver uma brecha no tempo
Para que um infinito longínquo me leve
Não entendi porque me dizem
Para deixar tudo para o fim

Que se dê abundância a corpo faminto
Em ventres dilatados de fome 
Como se fome fosse virtude
De mesa posta de miserável fartura
Candelabro aceso
Que se acendeu por engano
Rezam-se orações 
Já sem memórias das mesmas 
Só saem gemidos de canto
Não deixem tudo para o fim!

Havendo uma mão estendida
Que se aproxime de mansinho 
E nos pede um aconchego
Bocas abertas e olhos grandes
Corpo esquelético franzino
Com tom de grito sumido
Grito desesperado
Dum menino ainda vivo
"de abrigo em abrigo"

Anda em círculo no caminho
Da ganância e intolerância
De políticas de contraditório "assobio" 
Atirando pedras a feridas mortais 
Propõem pactos de engano 
Sem pesar o "pacto e os danos colaterais"
Não deixem tudo para o fim! 

Desmembram-se membros aflitos 
Mães procuram pão para seus filhos
São cortadas línguas 
Para que pedidos de pão se extingam

Para os politicamente corretos
De luxúria se viverá...
Com língua bífida...
A fome fará parte de exposição artística
"Mão decepada, com língua raquítica"
Arte surrealista
Não deixem tudo para o fim!

E que exista uma única sentinela
Nem que seja só uma
De arma em punho... descarregada
Mas ainda com língua
E dom de palavra
Aprumado e moribundo
Mas não cego, surdo ou mudo
Que se prepara para lançar
Suas penas pelo mundo 
E alertar, que quando tudo acabar
Não restarão penas para apanhar
Para impedir o princípio do fim

O princípio do fim
Ou o que resta da terra
Homens de mente aberta 
E consciência moderna
Que ainda habitam esta terra
Que aos poucos se esfarela
Pela fome, pragas, poluição e guerras
Era tão bela
Deixou de o ser

"Não me digas para guardar
tudo para o fim"
O teu fim terá inicio
Aqui mesmo...à minha frente!
Com clemência me pedirás perdão
Cortarei tua língua
Deceparei tua mão
Não haverá perdão
Para quem foi politicamente correto
Serás visto como fracassado
Da escassez que plantaste
Serás insignificante
Serás líder piolho

Politicamente correto... 
Anormal!
Sem cabeças para atormentar
Não habitarás mentes
Para as possuir
Deixarás de proliferar

Até ontem

Ana Rosa

Liberdade




 LIBERDADE


 Tudo o que já fiz
 Devo à minha liberdade
 Se o senso comum não me falhar
 Que o tempo me deixe ter saudade 
 Da liberdade
 De não ter tido tempo
 De concluir o que poderia ter feito 
 Poderia ter acariciado...
 Mimado
 Lembrado
 Amado
 Trabalhado
 Iniciado
 Acabado
 Respeitado

 Conceito de liberdade é incomensurável
 Não consigo com o tempo que tenho
 Exercer com justiça e respeito
 Este maravilhoso conceito
 Que vivo e sinto no meu peito

 Liberdade é "ser" novamente...
 Desde que me levante
 Até que me deite
 É ter ideais
 Respeitar e o "ser"...
 Poder escrever e falar
 Com respeito!
 O sagrado poder idolatrar
 O profano sem ser torturado
 Poder sair ou entrar
 Em todo e qualquer lugar
 Acompanhar quem eu quiser
 Seja branco ou negro...

Até Ontem

Ana Rosa



Prece


PRECE

Onde estás minha mente?
Onde te deixei ficar?
Não me recordo
Nem me lembro de te procurar

Depois da esquina
Encontro-te quebrada
Fico triste 
Amargurada
Procuro-te no meio do nada 
Que ainda existe em mim
Vivo no meu limite
Ilimitado

A fantasia não tem portas
Nem tão-pouco amarras
Meu ilimitado
Tem simplesmente momentos
De consciência mascarada
Num carnaval de demência

Caminho na tangente
Sou equilibrista suicida
De dorida mente
Que unicamente quer viver 
Como gente

Não digam
Que desta água não beberei
Meu sangue é igual ao "teu"
Encontramo-nos no mesmo tempo
E no mesmo lugar
Há um elo entre nós
Estamos unidos...
Pela ignorância
Há tanta gente demente
Até que a mente aguente

Até ontem

Ana Rosa




Castelos



CASTELOS

Castelos são como sonhos
Sonhados à beira mar
Não tardará venha uma onda
E o sonho que era castelo
Nada dele restará!

Numa ou outra esquina qualquer
Está uma qualquer mulher
O que veste é revelador
De uma mulher qualquer

Sem quaisquer receios
Passeia-se numa calçada 
Conhece bem o trilho 
Pisado todas as noites
Conhece as pedras que pisa
Espera sempre alguém

Naquele momento não pensa
Não tem memórias
Esvaíram-se com o tempo
Não tem relógio 
Vende-se de hora em hora
Antes de ontem, ontem e agora
Num e qualquer momento

Naquele momento
É tudo e não é ninguém
Seu olhar é distante
Não tem noção de quem passa 
Ou com quem vai 
Vende-se sem alma!
Ausenta-se de si
Naquele momento
É unicamente corpo

Seu olhar é frio
Mas seu corpo quente
Ausente de sentimentos
Há sempre alguém,
Disposto a pagar bem...
Por um mero momento
Momento de engano
Momento de farsa
Momento sem encantamento
Vende o corpo por dinheiro

O prazer ela disfarça...
Pensam eles que compram tudo?
Podem comprar tudo,
Mas não compram a sua alma!
São mentes brilhantes
Mestres da pretensão e astúcia
Que nada valem
Vidas feitas de incompletudes...
Também clientes da calçada!

Vive neste submundo da calçada
Para ultrapassar barreiras 
E algumas necessidades
Enorme carência de amor
Sua alma sente falta
De ser amada e abraçada

Não devia estar ali
A vida virou-se contra si
Num dia controverso... 
À hora errada...
E tudo o que idealizou
"ficou pelo nada"

Já bem de madrugada
Naquela odiada calçada
Ouve as ondas do mar
Antes de subir as escadas
Sentou-se...
Lembrou-se da sua meninice
Recordou castelos à beira mar...
A tristeza invadiu-lhe o coração

De mãos no rosto
Chorou amargamente
"tenho saudades de mim, com alma"
Subiu as escadas
Entrou em casa
Na sua cama adormeceu só

Sonhou!
...nenhum castelo foi destruído
Seu rosto abriu com uma gargalhada
Acordou com o seu sorriso 
Olhou-se no espelho... 
Viu a felicidade da sua alma!
Foi atras dela!

Até Ontem

Ana Rosa

Bola de Cristal



BOLA DE CRISTAL

A cegueira que dizem eu ter
Foi-me transmitida 
Por quem me apela
De visão dúbia...

Só minha alma vê
Porque olhar não consigo
Não tenho pretensão 
De me ter como umbigo
Sou livre de amarras 
De cordão umbilical

Aspiro a algo mais...
Que simples animais
Brinco com o remorso
De não ser capaz de olhar
As incertezas do amanhã
Muitos as preveem na bola de cristal
Eu olho-as de frente
Sem pestanejar
Porque sou cega...
Sinto-as perto de mim
Sentidas as leio
Em forma tão real!

O que escrevo, não é pontuado
Como um bordado
É ditado com a pontuação da alma
Que sente cada momento que passa 
Como pássaro que esvoaça
Que entoa pausadamente 
O piar que me vai na mente
É opaco o que me enfrenta
Com pura água cristalina desfaço
Dou-te em troca um odor
Um bocado da minha forma de ver
Diz-me o que sentes!

Até Ontem

Ana Rosa

Aldeia




 ALDEIA

 Perdida no tempo
 Em lugar onde...
 Raridade 
 Local purificado
 Pela paz
 Podemos ouvir-nos
 Ouvir nossa alma
 A natureza reclamou espaço
 Pelo vento assolado

 Por lá... 
 O relógio parou
 A natureza não cumpre horários
 As horas são lentas
 Mas não são vazias
 Há uma tristeza
 Uma pena
 Que não consigo alterar

 É tão rara esta aldeia!
 É única!
 Ir até lá ...
 É viajar no tempo
 As montanhas escondem
 Este recôndito lugar
 Como se fosse um mistério
 Ainda por desvendar

 Onde já não se fala
 Ali tudo tem valor
 Até a mais vulgar coisa
 Que um dia já foi valiosa
 É tão belo...
 Lugar silencioso
 De culto
 Místico
 De paz
 Vazio de pessoas
 De tarefas
 De fúrias de viver
 Que agora só ao vento cabe "ser"

 Todos foram partindo
 Deixando para traz memórias
 De muitas histórias
 Abandonada, só restou silêncio 
 Silêncio quebrado
 Por cada pedra que cai
 Com a ajuda do vento

 Espaço escondido
 Que me aconchega o espírito
 Naquele silêncio mágico
 Procuro a paz
 Naquele lugar único
 A magia me possa encontrar

Até Ontem

Ana Rosa

Vigilante




 Vigilante

 Vigio os meus sonhos
 Com armas e varapaus
 Que o meu sono não desperte
 Que a minha consciência não se revele
 Neste distúrbio paralelo

 Estou de vigília ao convés
 Controlo ventos e marés
 Quero controlar meu navio
 Não que ele me controle a mim
 Mas fazê-lo não consigo

 O sono desperta o meu sonho
 Sonho com lucidez
 Sonho sabendo disso
 Parece tudo tão real
 É aterrorizador,
 Sentir dor no meu sonho

 Querer respirar e não haver ar
 Sentir o pavor da queda
 Sonho que queima as entranhas
 E eu, sem me poder mover

 Estou a arder e a ver-me arder
 Quero correr mas não posso
 Há correntes a prender-me
 Estou paralizada em mim mesma

 É uma autêntica realidade!
 Não é um pesadelo
 É uma paralisia do sonho no sono
 Um sonho, lúcidamente acordado
 No meu sono

Até Ontem

Ana Rosa