domingo, 10 de maio de 2020

Porque hoje é Domingo






Porque hoje é domingo



(...) No largo p'ra lá da rua, há um charco

onde o tempo avança e recua!

ao compasso d'um espirro

naquele dia de domingo!

No largo p'ra lá da rua,

há um menino a brincar,

da fome esquecido,

lavando os pés, moleando o umbigo!

P'ra lá do lago, que a chuva deixou,

um velho encurta os passos da vida

para olhar em frente, o inocente sorriso!

que consequentemente se repete;

Da criança que brinca, chapeando,

moleando o umbigo, para esquecer a fome

naquele dia de domingo.

Há no estômago da memória uma boca!

Um antigo sempre presente,

lamber de frio!... (...)



Ana Rosa Cruz


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Choro




Choro
(...) O silêncio acorda letras,  nas páginas d'um livro,
após o poeta ter adormecido…
Navega agora sua barca só ondulante nas margens d’um rio
Seu olhar dilatava-se sobre todas as coisas
e nelas pousava atento e faminto…
Jorrava sangue vivo em seu lábio mordido
vezes sem conta lhe manchou, o batom do sorriso…
Como quem procurava almas,
em exaltado e clandestino lirismo
 Afloram agora gestos de dor incontidos
ao longe,  ouvem-se desabafos estremecidos
Vestem-se as palavras de negros gemidos
São elas que choram em poema,
naquele tempo contado, mas nunca na memória varrido
 por quem lhes deu um dia, vida, amor  e sentido.
O poeta adormeceu, mas nunca seu poema esquecido!...(...)

Ana Rosa Cruz





Crepúsculo





Crepúsculo

(...) O derradeiro raio de sol
calou a gritaria vermelha do crepúsculo...
O espaço pinta o ar de negro,
granadas de silêncio rebentam na noite...
O firmamento desembrulha luzes,
estrelas voadoras de pontas pintadas...
Por entre choupos de nuvens grisalhas,
espreita a careta angelical da lua
como princesa atrevida em neblina real...
O rugido da noite                   
e o trovejar das estrelas
na túnica sedutora do luar
é salmo adocicado na marmita do solitário...
O pó da lua a roçar a retina
acorda amores no flash do olhar,
alimenta imagens que levitam
no luminoso elevador prateado...
Relincham desejos no gemido do vento,
a alma crucificada nos lírios do luar,
tem presa aos dentes uma oração
timbrada na página dos olhos...
Noite minha,
luz dos solitários,
água benta na íris da agonia,
arromba a porta do meu peito,
solta-me a alma da prisão,
faz-me existir nos braços de alguém,
Nem que seja minha ultima recordação!... (...)


Ana Rosa Cruz