quarta-feira, 30 de março de 2016

Sonhos







Alva






Um Vazio





UM VAZIO

Onde estais?
Sem vós o mundo é mais pequeno
Falta-me o vosso preenchido espaço
Preenchia o meu pequeno templo
Agora vazio, o contemplo
Sem estardes nele dentro, não sou livre
Sem vós, nada tem sentido
Declamando com espada nos seus tinidos
Encerro minha alma com mordaça

Do fogo da revolta, surgem lágrimas
Que caem sobre os meus sentidos.
Perfura-os como um ácido
Sem dó nem piedade
Falta-me sentir-vos no meu ventre
Daria a minha vida
Para vos parir novamente

Vosso olhar crítico e carente como guerreiro
Que volta uma página marcada
Cuja leitura deixou pendente
Língua afiada como espada que se debatia
Contra os espaços frios de silêncio.
Afago a dor da vossa falta
Aconchego-me na vossa lembrança
Na solidão que deixastes em mim
Inquietante desassossego 
De não clamar o medo

Sem vós e sem o vosso ser
Acorrento-me sem palavras
Com roucos e amargos gritos de silêncio
Professo minha dolorosa castidade
De escrito inacabado
E tudo se acaba no vazio da última sílaba
O chamar o meu nome, como fúnebre sentir
De quem declama um poema sem termo
Sendo vós, o termo dele mesmo...
Calou-se a palavra
Resta o mundo do silêncio

Tudo foi levado pelo vento
Que também folhas arrasta
Formando entulhos de sílabas e acentos
À vossa morte abrem-se portas de catedrais
Já não estais mais para receber
A palavra de quem entra e sai

Hoje, ainda terás palmas
Convosco levareis as palavras
Que deixarão a saudade declamada
Por muitos não entendida

Até ontem

Ana Rosa



Mascarilha



MASCARILHA

Nosso amor a nada se compara
Tem leitura bem difícil
Como diagnosticar doença rara
E que muita gente baralha!

Espaços, tempos e contratempos
Amamos ao som duma melodia
Em ritmo apressado ou lento
Idêntico ao de outras gentes

Escrita com tinta invisível
Lida no solfejo da vida
Com outros carateres de pauta
Verdadeira e bela melodia
Verdadeiros e intensos momentos
No ritmo da vida, no dia a dia

Histórias verdadeiras e antigas
Contam a realidade da vida
Mas que nada tem de hipocrisia
Somente uma negra mascarilha

Até ontem

Ana Rosa





Olhar de Tréguas




OLHAR DE TRÉGUAS 

Encalhado com descontento
Restos sistémicos
De si e em si têm assento... 
Corroía-se ao balançar 
Lambia as feridas do tempo 
Que sarar não queriam... 
Roendo caroços do tempo
Ouvia-se o ranger de dentes 
Entrando pela noite dentro 
Como navio de casco rombo 
Já sem qualquer conserto... 
Que a dor abandonou ao relento.

A areia esvaía-se pelos dedos 
Em suas mãos frias... 
Fechava os olhos
Cerrava os dentes
No anoitecer dos medos. 
Abandonava-se, 
Nas profundezas de si mesmo... 
Já nada temia! 

Até ontem

Ana Rosa



Genéricos









O Nosso Poema





O NOSSO POEMA

Amai-me senhor;
Como se vos presenteasse meu corpo
Num encorpado odor de vinho forte
Que, pelas paredes de vosso copo, sobe!
Com ideais vagueando a rumos do norte
Amai-me amarrada e trespassada, a um velho poste
Para que de vós nunca esqueça tamanho ódio!...

Amar-vos-ei senhora,
Com rosas que porei em vossos caminhos.
Acalmarei assim, vosso irado delírio
--Também as flores, senhora amada, minha,
Têm no caule a dor do espinho!
Para que sinteis em vosso íntimo a dor do corte
De vosso efémero destino...
Sereis para mim, muito mais que mera consorte
Entregai-vos a mim senhora minha
Espero-vos para além da morte!

Minh'alma senhor,
Está cravejada de espinhos
Que vós fizesteis brotar em meus caminhos
Sangra o meu espírito magoado por vós
Nesta promiscuidade dolorosa e sincera...
Dos nossos caminhos dados à sorte

De onde já nada se espera
Quero ouvir o auge do grito vosso
Inundar de sangue a primavera
Da terra, erguer-se-á a semente da morte
Que vos trará à minha beira, para sempre
De forma eterna...

Até Ontem

Ana Rosa
Adhemar Navas



O Verbo




O VERBO

Peço perdão!
Flagelei teu corpo
Ofereci-te cinco estigmas.
Em teu olhar mortiço,
Vi tua expressão divina
Um sorriso mudo
Com um poder absoluto
Sorriso sentido ao beberes
O sangue de tuas feridas
Pediste a teu Pai
"Que te livrasse de tal cálice"

Vieste ao mundo sem pecado
Por homens feitos à tua imagem
Foste por eles crucificado
Ensinaste-lhes tuas profecias
A todos deste a razão de ser
Por amor assim proferiste:
"Perdoa-lhes, meu Pai...
Não sabem o que fazem"
Sempre e a todos deste
"O pão nosso de cada dia".
Com teu sacrifício
Corrigiste os erros do mundo

Limpo tuas feridas
Repletas de sangue
Com pano de linho branco
Imaculado e molhado
Com puro linho, limpo
Tuas lágrimas sofridas e amargas
Os homens teu sorriso apagaram
Com ambição, ódio e raiva!

Cinco estigmas infligi-te na carne
Todos os homens do mundo,
Premiaram tua bondade
Com dolorosa coroa de espinhos
Bem aguçados...

De mão no peito
E coração despedaçado, digo:
"Minha culpa, minha tão grande culpa"
Em teu sepulcro, deixo assim gravado...
"AQUI JAZ O VERBO AMAR"

Até ontem

Ana Rosa




Agora Sim





AGORA SIM

Vou partir para o papel do além
Asfaltado de sombras fúnebres
Em rebusca do amor aquém
O meu cigarro ferido de lúgubres

Clama ao ouvido do tempo
Dissipado pelos altos lábios
Deste país azul sem campo
Com toda espécie de encantos

Meu amor repleto de silêncio
Vim hoje resgatar o teu eu
Sepultado nos pelados cônscios

Nunca te abandonei linda
A vida divorciou-me de ti
Agora sim... vem minha amada

Até Ontem

Ana Rosa





sábado, 12 de março de 2016

Amar a Dois




AMAR A DOIS

Prende-me...
Nas teias do teu querer
Por ti, deixar-me-ei prender
Com teus fetiches
Pérolas, veludos e sedas
Aprende a ser mais subtil
Ama-me...
Faz-me sofrer com subtileza

Minha beleza abrilhantas
Pensas em nós,
Como algo inalcançável
Com aspereza dela desdenhas

Molda-me à tua dura imagem
Incandescente olhar que arde
Como chama desalinhada
Como luz dominadora.
Atos implacáveis, cruéis palavras
Tornando-te luminosa brasa
Que me queima
E fustiga minhas entranhas
Pela noite dentro
Ao raiar da madrugada

Meu corpo já manso, descansa!
Nas marcas do cansaço
Sinto teu cheiro
Nos lençóis amarrotados
Marcas d'uma alma expurgada
De forma implacável

Contigo me quero parecer
Sem ser digna de o merecer
De joelhos, a ti me inclinarei
A ti vénias te farei
Em rituais de vassalagem
Tua serva serei
Só a ti servirei!
Sombra da tua nobre e alva alma
Refletindo tua nobreza como imagem

Condena-me...
Faz-me sentir infeliz
Por aquilo que não fiz!
Tuas deliciosas sentenças
Expressam tuas próprias leis
Fizeste com teus atos
Verdadeira jurisprudência.
Com máscara colérica de juiz!
Prende-me...
Com teu olhar azul turquesa
Mantem-me indefesa
Com tuas apertadas algemas
Faz de mim tua submissa presa!

Molda minha alma de raiz
Peço-te perdão
Por tudo o que não fiz
Com teu olhar de nobreza
Faz com ele um poema de riqueza
E que nele tudo se encaixe
Amor, ódio, desejo, dor e raiva
Ordena-me...
Que feliz eu te faça!

Feliz serei
Se me presenteares com rosas
Nos meus caminhos e atalhos
Sem que os espinhos lhe tires
Para que bem ouças
As dores do meu calvário!
Grito que se solta
Do meu íntimo ferido
Minha carne sangra
De dor e incessante prazer!
É assim meu amor
A razão do nosso viver

Grita-me e bate-me
Serei tua submissa
Mas não me expulses de tua vida
Sem te ter, acabariei por morrer!
Dá-me em tua vida guarida
Em tuas mãos me entrego
Minha vida será a tua vida!
Onde não existe hipocrísia
Somente negra mascarilha!

Até ontem

Ana Rosa






Laços





LAÇOS

Jamais por quem quer que seja, 
deixarei que minh'alma, 
a alguém se prenda.
Com laços e fitas de renda....
Bordados de silêncios, 
que a traça corrói com o tempo...
Faz-me ser escrava,
de tua vitoriosa glória...
Sem te orgulhares de mim, 
como derrota! 
Limpa minhas lágrimas de prazer,
que de meus olhos brotam...
Só tu sabes, quem realmente sou, 
âncora sem amarra de corda
Barco sem porto, porto sem frota...
e ao largo, voa solta sem pouso
...Uma gaivota...
só tu sabes os seus sonhos
e o destino que ela toma

Até Ontem

Ana Rosa




Ama-me







Pauta