ENTRELINHAS
Não me enganes
Sou perita em te enganar
Não me ames
Serei o teu efémero engano
Não me adoces a boca...
É e será sempre amarga
Não me aqueças...
Porque me derretes o gelo
Não me excites...
Não sei ter prazer
Vivo numa carapaça de frigidez
De nada sentir por ti
Nem por ninguém
Repugnas-me ao querer-me
Sou um ser desprezível
Sagaz e insensível
Enganarei o teu beijo
Não me importa o teu desejo
Sou filha da desgraça
Parente da ameaça
Que avidamente te fuma
E te transforma em mera fumaça
Te espezinha e apaga como beata
Viajo todo o ano
Paro em todas as estações
Entre Primaveras e Verões
Tenho lugar cativo
Na paragem do autocarro
Com direito a lugar sentado
Tenho a beleza dum engano
Que tudo teve na vida
E deitou tudo a perder
Do que semeio
Nada tenciono colher
Já não sinto
Não amo
Não desejo
Já não choro
Rodo nas estradas da desventura
Enquanto minha beleza dura
Sigo a estrada
No sentido inverso da vida
Os ponteiros do relógio
Marcam as horas ao contrário
Como o meu itinerário
"quando para lá vão, já eu de lá venho"
Plantaram-me como um "se"!
Nasci dum desempenho da biologia
A raiva consome-me
Por ter sido parida
Duma forma tão fria
Cresci com um "eu", à rebaldaria
Vendo tudo por dinheiro
Mas nunca a minha alma
Já não a tenho
Vivo de desprezíveis trocas
Sem troca de palavras
Ou discursos mirabolantes
Como conversa de políticos
Ou caixeiros-viajantes
Sou astuta no meu papel
Possuo segredos e encantamento
Piso com raiva os trilhos
De cada centímetro do pavimento
Não pago impostos
Para todos os efeitos
Sou "uma" pobre desempregada
Vivo do subsídio de desemprego
Mal empregado
Dum emprego inventado
Subsídio de reinserção social
Sou só mais um número
A nível nacional...
Todos cá vêm parar
Obedeço com raiva consciente
Motorista, ministro ou presidente
Sei segredos desta gente
Bem falantes e educados
Engenheiros e doutores
Com gostos e atitudes
Que não lembra ao diabo
E mais não digo
Para não mais baralhar
O que já está baralhado...
Até ontem
Ana Rosa
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