sexta-feira, 15 de junho de 2018

Paralelo




Paralelo
(...) Cai a noite, crepúsculo dos lugares
profundos olhos, crateras lunares, 
côncava face, girando em rotação dos lugares
olhar inseguro, pestanejante passo
pássaro que canta
sem nunca ter cantado 
Luz diluída, gemida, nos cantos da sala
mãos gélidas de incerteza
toalha desbotada, um rasgão
na ira consumada da tristeza
Sentimentos desfiados, 
pedaços de vidas enlutadas
em canções p'la noite embalada
naquele som que cedo chega
logo se queda e afasta
desiludidas lágrimas sem rosto,
rosto sem face...
Magoa e amaça,
braços caídos no abandono
na flacidez dos corpos da mentira
copos no chão partidos sem dono
aniquilados corpos em ruina
Passo cansado,
sombra que passa
a dor que cala à sua passagem
Silêncio que fala no luar cansado 
adoça e amarga, 
o tudo e o nada
Quebra-se a cada espasmo que passa...
fim de um dia passado,
o som sobe quebrado, rangente escada 
uma espécie de luz, um túnel afunilado
a idade que só o verbo tem, subindo calado
princípio do fim, 
como se fim fosse sinónimo de orgasmo...
Vela que se apaga, vento que passa
porta entreaberta, janela fechada
Palavra dispersa, volúvel, em boca retomada
Saliva que grita, o respirar 
de cada fugitiva palavra...
Espelho quebrado, face desfigurada...
Principio de embrionária
madrugada incauta
ultimo cigarro abraçado em cruzes de fumo, 
calando no cinzeiro rezas 
de moribundas beatas
Mais uma última bebida, 
aquecendo a alma mal amada
abandonada, entre o tudo e o nada
onde há sempre um vazio cheio de fundo
Tudo começa de novo, enrugada face
expressão estagnada muda 
quem tudo o que diz, morre na ponta da alma
Impondo a profundidade em superfície rasa
entre a linha do horizonte,
no asfalto negro da estrada
Imutável, trancada como muralha
Onde tudo morre e de novo nasce, 
onde tudo começa e acaba.
sem que dela pedra se solte e caia
tudo é somente presente...
O futuro gasta-se diariamente, 
de trás, p'ra frente como praga
nas noites descalças de sono, 
sem sonhos e donos
Sem saber ao certo quem somos ou fomos
e se em algum lugar estamos
se perto, ou longe do que idealizamos 
Pois somente de longe, no espelho disforme
nos vamos contemplando (...)


Ana Rosa





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