sexta-feira, 12 de maio de 2017

FILHOS DO MAR






Filhos do Mar

(...) Da escadaria da abadia, 
Da Nossa Senhora da Agonia 
Tudo se avista, 
Desde o nascer do sol
Ao último suspiro do dia
Cheiro a maresia arrastado p'la maré cheia
Deixando na lingua um gosto a sal 
E odor a poesia na areia
Sentia-se naquele local um peso hereditário
Centenário de sete vidas
Como os gatos que se passeavam 
Lá no alto do campanário...
Local sagrado, confessionário do meu calvário
Essa última fronteira, 
Diário escrito com escopro e martelo, em calcário
Lugar solitário de eternas chegadas e partidas
De quem do mar faz sua vida
E dele tira seu sustento diário
Desaguam ruas de pedra lisa, escorregadia, 
Entrelaçadas entre elas, parecendo redes de pesca,
Agora escuras e já desertas!
Chineladas desde o nascer do dia, 
Até que o sol se punha, pelas varinas, 
Pregão em punho na ponta da língua 
Canastra à cabeça e mãos fincadas na cintura
O sol há muito se ia pondo,
Entre o anzol e a linha de pesca sem fartura alguma 
Entardecia o horizonte, no astro a lua surgia 
Ungindo a baía
Ouvia as ondas ao anoitecer, acomodavam-se,
Espraiando-se, adormecendo na areia lisa
Dando lugar a luzes de velhas e eternas candeias
Chamava a varina seus filhos, 
Sobressaltando a vila inteira
Como loba, uivando à lua, em noites de lua cheia,
Reunir a alcateia, para os acomodar com a ceia
Era este seu ultimo grito do dia,
Com grande alarido lhe acudiam
Pareciam pássaros à beira dos ninhos
Gaivotas em volta das traineiras
Reclamavam a parte da sua sardinha
...rabo, tronco ou cabeça...
Nunca sem orar a Sta. Teresa
De mãos abertas sobre a mesa, agradecendo o manjar
A oração era sempre a mesma
A vontade de comer não deixava de aumentar
---Nunca cada um, comia sardinha inteira!
Entre pão negro de centeio ou cevada 
Que em suas bocas santas, 
Nunca se ouviu reclamar que amargava. 
Uma malga de sopas de cavalo cansado
Para dar sossego à fome desalmada,
Que nem todos os dias era sossegada
---Havia muitas noites que não dormíamos,
As barrigas roncavam, doíam!
Encostavam os barcos, canastra vazia,
Gaivotas em terra, tempestade na baía
Naqueles tormentosos e acinzentados madrugares,
Descíamos a ladeira, descalços, pés calejados
De sola e meia, trajes de remendos em fileira,
Tínhamos asas de vento nas orelhas
As mãos cheias de bolsos
Nadavam à beira mar das algibeiras
Olhávamos com tristeza o cais
Esperávamos o passar da tempestade
---Filhos do mar, só tem o que ele lhes quer dar!
---Ou tirar! (...)

Até ontem

Ana Rosa Cruz

@crz/444/

Arte: Internet




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