sábado, 26 de janeiro de 2019

Os...



Os
(...) Sou da rua 
daquela raça de gente dura,
ignorante, de gestos ásperos e rudes
sem esperança ou futuro, 
como árvore bruta, seca, erétil.
Que não se queda, nem mexe,
até hoje estéril e sem útero 
Sem saber ao certo para que serve!... 
Sou do outro lado do muro, 
impotente tentando ultrapassar
sua imponente altitude.
Separação entre o limpo e o sujo, 
desvio de rumo, maldição,
apelidado de muro da contradição.
Mãos calejadas e feridas do sacho.
Nossa pua e também oração
Aspeto anémico, olhar pálido e ausente
acariciado somente, p'los pingos da chuva roçada a vento!
---E de tão pouco manifestamos contento!
Desprotegido, insignificante, 
quase insensíveis ao sofrimento 
---E ao mesmo tempo tão carentes!...
Analfabetos, subnutridos de alma destroçada 
sem pátria e de língua decepada!
Não há mal que se nos encoste,
p'la graça de Deus, ou do Diabo 
p'ra além de nossa franzina e fraca figura
bafejados fomos por alguma sorte
---Tudo com tempo se cura,
com a vida, ou morte!...
Nestes momentos, sempre se nasce de novo!
Quando a vida em nossas mãos esmorece, 
logo nossa expressão, voa e ecoa.
Somos aquela assombração, ou encosto,
que pede um naco de broa,
que muito a humanidade nos deve!
De alma adormecida,
em paisagem baça e agreste.
Luz escondida, sem raios de esperança,
quando anoitece, nossa raiva endurece.
---Um real mundo à parte!
---Que nem sobe, nem desce!
---Sujo, descrente, nauseabundo, insignificante
que ninguém sente falta ou saudade
como algo dispensável!
Jamais sonhos tive em mente
com a esperança sempre de mim ausente
Sou daquela raça de gente dura
---Com sorriso triste, mas tão cheio de ternura!...
--- Já não sonha, porque sonhar nunca aprendeu!
Sem dom algum, ou vontade de coisa alguma
---Nunca sonhou e nem sonhará nunca!
---O muro, seus sonhos apagou! 
Minha infância, era fria e sombria 
sempre fui aquela criança de infância perdida, 
no rosto acre dos dias 
Nunca se encontrou e para sempre se perdeu
em paisagem vazia
apertando com tremor, a luz das trevas 
em minhas mãos pequeninas,
luz única visível e possível...
Somos a aleluia da existência
ferida que dói diariamente, sem cura
por fora, poema tatuado até à medula
e por dentro, espinho cravado,
até à saliência de nossa corcunda...
De alma adormecida em paisagem baça,
luz escondida, sem raios de esperança.
Um mundo à parte, nu e sem graça
A esperança, sempre de mim ausente, 
sem saber qual minha origem ou nascente. 
---Todos somos irmãos, pais, 
filhos de toda a gente!...
---Sou da raça que em nada acredita e pensa,
"que viver dignamente,
não é para gente que nada significa"!
---Sou os que sofrem a dureza da vida,
numa incompreensão incompreendida.
---Sou todos os infelizes, que o sol não beijam
e doces brisas esquecidas, que também
já não desejam!... (...)

Ana Rosa






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